Serviço da Brigada Militar do Rio Grande do Sul que fiscaliza o cumprimento de medidas protetivas, a Patrulha Maria da Penha envolve outros órgãos do Executivo e o Judiciário e trouxe resultados positivos para coibir a violência contra as mulheres em Porto Alegre e

Canoas. Até o fim do ano, governo estadual prepara a expansão da iniciativa para 16 cidades do Rio Grande do Sul que possuem Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Integração, especialização, aproximação entre o Estado e as vítimas e responsabilização do agressor. Princípios que têm sido apontados há anos como essenciais por quem atua no enfrentamento à violência contra mulher têm se mostrado de fato eficazes na experiência do Rio Grande do Sul (RS).
Além da Patrulha Maria da Penha, no segundo semestre do ano passado a Secretaria de Segurança Pública do RS implementou outras experiências para coibir a violência doméstica: a Sala Lilás, um espaço de acolhimento exclusivo às mulheres no Instituto Geral de Perícias (IGP); e a integração da base de dados entre os atores envolvidos nessas iniciativas. Os projetos contam com a participação da Secretaria Estadual de Política para as Mulheres, Ministério Público do Estado e Juizado Especializado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Na avaliação do Executivo estadual, até o momento o saldo é bastante positivo: quase 4.500 mulheres atendidas pela Patrulha e Sala Lilás, um acolhimento mais humanizado, maior proteção às vítimas, o encorajamento à denúncia e a aposta na expansão das experiências para o interior do Estado.
“Nós tomamos essas providências para combater a violência contra a mulher, principalmente os episódios de ‘mortes anunciadas’. Existiam casos de mulheres que faziam uma, duas, três, até quatro denúncias contra o agressor e ainda assim acabavam sendo vítimas de homicídio em razão da violência doméstica. Então, nós gestamos ideias para identificar esse risco e dar um acompanhamento mais efetivo a essas mulheres”, afirma o secretário da Segurança Pública do Estado Airton Michels.
Segundo o secretário, somente em 2012, o Rio Grande do Sul contabilizou 99 feminicídios – assassinatos de mulheres por razão de gênero, número que considera alarmante e consequência da cultura machista predominante em todo o Brasil. “Estive no Chile em dezembro e lá eles estavam muito preocupados com essa questão porque tiveram 24 feminicídios no ano passado em todo o país”, compara.
Para a coordenadora das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), Nadine Anflor, as iniciativas em Porto Alegre buscam responder a dois aspectos em que o Estado tinha uma atuação deficitária: no atendimento da materialidade do crime e na fiscalização das medidas protetivas de urgência.
“As mulheres vítimas de violência, antes, precisavam se submeter a fazer o exame de corpo de delito no Instituto Geral de Perícias, muitas vezes junto com o próprio agressor. A gente não podia fazer com que nesse momento ela fosse vítima novamente, ante o peso desse encontro”, explica a delegada Nadine, em referência à necessidade do atendimento exclusivo realizado na Sala Lilás.
“Em relação às medidas protetivas, tínhamos muita reclamação de que não havia quem fiscalizasse as medidas e garantisse a proteção colocada no papel. Nossa expectativa com a Patrulha Maria da Penha é fiscalizar os casos que chegam à Delegacia da Mulher para poder diagnosticar os mais graves”, complementa.
Desse modo, segundo a delegada, a DEAM pode identificar quais casos devem ser priorizados ante a grande demanda que atende: no momento, aproximadamente 19 mil procedimentos policiais em curso nas delegacias especializadas e 20 mil processos no juizado da violência contra s mulher, informa Nadine Anflor. “Quando a mulher pedir socorro, esperamos que a Patrulha tenha condições de apontar que ali há uma reincidência de violência, para que se acenda uma luz de emergência”, destaca a delegada.
Patrulha Maria da Penha: Estado presente para garantir segurança
Patrulha conta com viatura diferenciada, já que a idéia é que ela seja identificada, mostrando para sociedade o engajamento do Estado na proteção daquela mulher.
(Foto: CPC/ComSoc – C3 Alberto)
Uma Patrulha Maria da Penha é formada por quatro policiais militares, sendo dois homens e duas mulheres, que contam com uma viatura diferenciada, já que a ideia é que ela seja identificada nas visitas realizadas às residências das vítimas, mostrando para a sociedade, principalmente para vizinhos e agressores, o engajamento do Estado na proteção daquela mulher.
Os profissionais que atuam na Patrulha passam por capacitação de uma semana com aulas sobre temas relacionados à violência doméstica, como a Lei Maria da Penha, psicologia forense, andamento de processos, depoimento sem dano, entre outros.
“Nós entendemos que não pode ser um policial sem capacitação para esse tipo de atendimento, tem que ser especializado para lidar com uma vitima que já está fragilizada”, frisa a tenente-coronel Nádia Gerhard, a comandante estadual da Patrulha.
Além da especialização, o diferencial da Patrulha é que ela não atende a ocorrência, mas sim trabalha após o delito, fiscalizando o cumprimento da medida protetiva e acompanhando mulheres que foram vítimas de agressão. “É um programa inédito no Brasil: pela primeira vez a PM não é só chamada, ela vai ao encontro das mulheres que pediram a medida protetiva”, pontua a comandante Nádia.
Em sua rotina, os policiais que integram a Patrulha começam o dia na DEAM, que fornece uma listagem de todas as medidas protetivas solicitadas no dia anterior. A partir daí, traçam um roteiro de visitas às mulheres. Atualmente, quatro viaturas da Patrulha atuam nas quatro regiões dos Territórios da Paz em Porto Alegre, enquanto outra atende os dois Territórios da Paz do município de Canoas.
Iniciada em outubro de 2012, nos cinco primeiros meses da Patrulha foram realizadas 1.174 visitas e 538 mulheres foram atendidas em Porto Alegre. Dessas, 59 continuavam sendo acompanhadas, pois ainda se sentiam ameaçadas.
Em Canoas, de novembro ao começo de abril deste ano, 464 visitas foram realizadas e 274 mulheres atendidas. Dessas, 65 ainda eram acompanhadas. Para a tenente-coronel Nádia, com isso o Estado está se fazendo presente perante essas mulheres, contribuindo assim para criar um ambiente mais seguro e encorajar tanto a denúncia de outras mulheres em situações semelhantes quanto o engajamento da sociedade em não tolerar a violência.
A perspectiva do governo é, até o final do ano, expandir a Patrulha para todas as cidades que já contam ou devem receber uma delegacia especializada para atendimento de mulheres, atingindo assim 16 municípios e totalizando 25 Patrulhas, segundo o secretário de Segurança Pública Airton Michels.
“Temos uma história machista antiga no Rio Grande do Sul e sei que esse problema também existe em outros Estados. No caso da violência doméstica, o machismo é tão agudo que o homem se acha dono do destino da mulher e no direito de agredi-la. Reverter isso é uma tarefa de longo prazo do Estado; precisamos seguir aumentando políticas para mudar essa cultura de desrespeito às mulheres”, reforça o secretário.
Sala Lilás mostra importância do acolhimento humanizado
A Sala Lilás foi criada dentro do Instituto Geral de Perícias em Porto Alegre, buscando promover o atendimento especializado à mulher vítima de violência.
(Foto: Divulgação SSP/RS)
A Sala Lilás foi criada dentro do Instituto Geral de Perícias em Porto Alegre com o objetivo de oferecer um atendimento especializado à mulher vítima de violência. “Antes a mulher ficava numa sala de espera geral para fazer o exame de corpo de delito, muitas vezes junto com o próprio agressor ou com outros agressores. Agora, ela tem uma sala de espera diferenciada para fazer o exame de lesões e a perícia psíquica, onde promovemos um acolhimento mais qualificado e colocamos à disposição o atendimento com psicólogas e assistentes sociais”, explica a corregedora-geral do IGP, Andrea Brochier Machado.
A proposta, segundo a perita, é não colocar a vítima em situações de constrangimento e trabalhar em favor da dignidade da mulher. Além do acolhimento humanizado, a Sala Lilás tem a função de qualificar a coleta de provas para materialidade do crime no processo, para garantir a responsabilização do agressor.
“Em casos de violência sexual, nós coletamos a veste íntima da vítima e fornecemos também uma veste descartável para ela poder ir embora”, exemplifica Andrea. Além disso, o IGP trabalha com um protocolo nesses casos, não só na Sala Lilás, mas em toda a rede estadual: “foi montado um kit para casos de agressão sexual, em que trabalhamos sempre com a coleta de três amostras de cada região do corpo da vítima (embaixo das unhas, boca etc.). A ideia é que na primeira amostra identifiquemos o DNA da vítima, na segunda amostra o do agressor e a terceira fica como contraprova do DNA do agressor, para não haver dúvidas no processo. Além disso, podemos com isso fazer um banco genético com informações dos agressores”, explica a corregedora.
A experiência se mostrou tão positiva que o governo estadual já formulou projeto para expandir o projeto da Sala Lilás, hoje presente só em Porto Alegre, para 12 municípios no Rio Grande do Sul. “O interior é muito carente de um atendimento mais humanizado”, destaca Andrea.
Integração é essencial para garantir a proteção
Segundo os órgãos envolvidos, com essas medidas há mais integração entre as Policias Militar e Civil e os Poderes Executivo e Judiciário. Os dados sobre exames realizados no IGP, por exemplo, podem ser acessados diretamente pela DEAM. “Nós colocamos uma senha para abrir um programa do IGP na mesa da delegada Nadine Anflor e ela sabe se a mulher que fez ocorrência na delegacia já fez o exame de corpo de delito ou não. Hoje estamos trabalhando em rede, o IGP e a Polícia Civil e a Militar estão muito mais unidos”, avalia a corregedora-geral Andrea Brochier Machado.
Da mesma maneira, a Patrulha Maria da Penha está desenvolvendo um programa online para lançar informações no momento em que realiza um atendimento. “A ideia é que ele possa ser acessado tanto pelos atendentes do 190 como pelos comandantes locais da PM, para que eles possam identificar na hora se aquele pedido de socorro é de um caso acompanhado pela Patrulha”, explica a tenente-coronel Nádia Gerhard.
De acordo com o Governo do Estado, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) também está integrada ao projeto, informando a Patrulha Maria da Penha sobre a libertação do agressor do sistema penitenciário, para que seja monitorado mesmo em liberdade.
O Ministério Público Estadual estuda também um cadastro nacional de medidas protetivas de urgência, a exemplo do que existe em relação aos mandados de prisão. “Isso vai dar ainda mais eficácia ao trabalho da Patrulha, porque ela vai poder agir mais rapidamente, sem precisar formular uma consulta ao Poder Judiciário e esperar a resposta para saber se intervém ou não”, avalia o promotor David Medina, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal de Porto Alegre. A proposta é encaminhar a implantação do cadastro ainda neste ano.
Para o promotor Medina, há uma aproximação dos poderes nos casos de violência contra a mulher. “Existe um canal direto de comunicação entre o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Patrulha Maria da Penha; então, há uma integração e um comprometimento maior em relação aos casos de violência doméstica e a gente se torna mais presente”, frisa o promotor.
A integração entre a Policia Civil e a Militar, segundo David Medina, gera também uma resolubilidade maior na atuação pública. “Eu acredito que isso, além de contribuir diretamente na responsabilização de agressores, também vai garantir a concretização e a eficácia da proteção trazida pela Lei Maria da Penha”, complementa.