Um profissional reconhecido no Brasil inteiro pelo conhecimento, pela experiência acumulada em mais de 40 anos de dedicação à perícia criminal. O perito criminalístico aposentado DOMINGOS TOCCHETTO nos recebeu no apartamento onde mora, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Ao lado da

companheira há mais de 40 anos, com quem teve um casal de filhos, Tocchetto abriu o coração para falar da perícia. Formado em Biologia e Direito, este gaúcho de Marcelino Ramos poderia ter seguido a vida religiosa; chegou a ser Irmão Lassalista durante seis anos. Mas o destino o fez mudar os rumos.
Bom para a mulher e os filhos que tem um marido e pai amoroso e dedicado.
Melhor ainda para a perícia oficial do Rio Grande do Sul que ganhou um dos ícones na profissão. O site do Instituto-Geral de Perícias, dentro das comemorações da maioridade da Instituição (18 anos) entrevistou o professor Tocchetto.
IGP – O que significa ser um perito criminal?
DT – Significa buscar a verdade. Eu acho que esse é o grande objetivo do perito, independente se essa verdade favorece uma ou outra parte dentro de um processo, dentro de um inquérito policial. A satisfação do perito deve ser essa. Eu consegui chegar, tecnicamente, ao que é verdade, ao que é verdade. Isso é a maior alegria, a maior satisfação para um perito; poder ajudar a fazer justiça com a busca da verdade.
IGP – Quais são os pré-requisitos necessários para quem pretende ser um bom perito?
DT – Em primeiro lugar QUERER SER PERITO! Querer abraçar essa profissão, que não é das mais fáceis. E para abraçar essa profissão tem que se dedicar a ela. Porque não basta chegar ao local de trabalho e fazer aquele trabalho que todo mundo faz; terminou o expediente, passar a chave na gaveta ou na

porta de entrada e ir embora. O perito tem que buscar algo a mais, o perito tem que estudar; o perito tem que ser um eterno estudante. Porque ele vai necessitar da tecnologia cada vez mais. É importante que ele evolua dia a dia para ele poder elucidar os fatos. O perito que não estuda, o perito que não tem a sua biblioteca, o perito que não participa de congressos, de seminários, esse perito pára no tempo e no espaço. E, ao parar, ele regride, porque os demais avançam. O crime avança em tecnologia avança em perspicácia, avança em detalhes e o perito tem que estar pelo menos no mesmo nível, tem que estar atualizado.
IGP – Como foi o seu início de carreira. O que lhe levou a se dedicar à carreira de perito criminal?
DT – Na realidade o meu início foi muito curioso porque eu não tinha nem idéia do que era ser perito. Eu fui instigado por um outro colega meu de Magistério que acabou sendo perito, o perito Sanabria que acabou falecendo, infelizmente, meu compadre, que me informou que estava aberto o concurso e disse para eu me inscrever e fazer o concurso. Eu não tinha a mínima noção, mas como eu era professor de Biologia isso me ajudou muito inicialmente na carreira porque eu tinha experiência de laboratório, durante todo o curso de Biologia eu trabalhei com microscópio, trabalhei em pesquisa e isso facilitou o meu trabalho como perito; porque o trabalho de perícia é um trabalho de pesquisa, um trabalho de buscar nos pequenos detalhes a verdade e isso me ajudou muito.
IGP – Com o avanço da tecnologia, a Informática sempre mais evoluída, ficou mais fácil ser perito?
DT – O avanço da tecnologia, para o perito, beneficia na busca de informações que antigamente era muito difícil obtê-las. Quando nós iniciamos o trabalho da perícia não existia praticamente a bibliografia. Existia um livro de Balística Forense, do ERALDO RABELLO, e o livro de Grafoscopia, do Celso

Del Picchia, na Língua Portuguesa, praticamente eram dois livros. E algum artigo, alguma coisa. E isso dificultava muito porque quando a gente precisava de alguma informação que não constava naqueles dois livros, ia buscar aonde? Hoje nós temos a Internet, a Informática que nos auxilia imensamente na busca. Hoje nós temos a pluralidade de profissões, de peritos que estão trabalhando; quando a gente tinha, com o passar dos anos, dúvidas, se procurava um químico, se procurava um físico, se procurava alguém de outras áreas, mas que podia nos auxiliar com o conhecimento da formação dele; isso hoje, praticamente, se busca na Internet.
O CASO DO CORAÇÃO
Todo o perito criminal com experiência tem um caso específico para lembrar. E não esquecer! Pela complexidade, pela dedicação que exigiu ou simplesmente pela repercussão pública que teve. O professor Domingos Tochetto recorda:
DT – Aqui no Rio Grande do Sul foi o caso do jornalista Flávio Alcaraz Gomes. Não que tenha sido tão difícil assim, mas pela maneira como se trabalhou nesse caso, por que foi um trabalho integrado entre perícia e polícia, tendo em vista que o delegado de homicídios, na época, era um delegado-

substituto, o titular estava em férias quando aconteceu o fato e era um delegado daqueles bem antigos, que nem era formado em Direito e não tinha muito conhecimento, especialmente de perícia. Ele nos procurou no Instituto de Criminalística e pediu que nós ajudássemos a ele resolver da melhor maneira possível. Então, nesse caso, se estabeleceu o que? Um diálogo, um intercâmbio entre aquilo que a polícia precisava provar e aquilo que a perícia podia provar. Neste sentido nós sugerimos uma série de perícias, sugerimos até quesitos. Foram feitos vários laudos, vários trabalhos e foi um inquérito e um processo extremamente tranqüilos, o réu foi a júri popular, inclusive foi condenado com base nas perícias que foram realizadas. Então, nesse caso, a importância da perícia, apesar de ter vindo nesse processo um parecer de um dos peritos mais famosos na época, o Dr. Villanova, que foi o perito que fez a perícia na morte de Getúlio Vargas, o que deu uma certa repercussão na época, mas os trabalhos que nós fizemos é que foram trabalhos tecnicamente corretos, simples, objetivos, que prevaleceram para os jurados que condenaram o réu.
IGP - E em nível nacional, quais os casos em que o senhor atuou como perito e que ficaram marcados na memória?
DT – Dois especialmente. O primeiro a morte do vice-governador eleito da Paraíba, Raymundo Asforo, que era deputado federal, em que nós, aqui do Rio Grande do Sul fizemos uma terceira perícia, praticamente de desempate, porque existia a perícia feita pelo Instituto de Criminalística do Recife que dava um resultado, uma segunda perícia feita pelo Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, que dava um resultado divergente, e nós acabamos fazendo a terceira perícia que não coincidiu exatamente com nenhum dos dois, e que foi a perícia definitiva e conclusiva que foi usada dentro do processo, dentro do inquérito policial. Esse, pelo fato de envolver uma pessoa de projeção, que era um deputado federal bastante combativo e eleito vice-governador da Paraíba, junto com Tarcisio Burity, foi um caso que deu bastante repercussão em jornais de todo o País, aqui na Zero Hora e especialmente nos jornais de João Pessoa (Paraíba) que repercutiram muito essa perícia nossa.
E o segundo caso foi a participação que nós tivemos na segunda equipe que revisou e refez uma série de exames no caso da morte do PC Farias. E nós conseguimos fazer com que esse trabalho feito por dois médicos legistas, Dr. Genival e Dr. Manoel Muñoz com peritos e dois peritos criminalísticos, no caso aqui, representando o Rio Grande do Sul e o perito Nicolas, representando o estado de origem, essas perícias que nós fizemos prevaleceram sobre as perícias feitas, inclusive, pelo Dr. Badan Palhares, na Unicamp.
E foram as usadas para levar a júri os seguranças que estavam presentes no dia do fato, na noite do fato, na casa do PC Farias.
IGP – Que considerações o senhor faz a respeito do tema “preservação do local do crime”?
DT – A preservação do local, do delito, no caso do fato, do crime é essencial, porque lá começa toda e qualquer perícia. A própria perícia de balística eu costumo dizer que ela começa no local do fato que envolve o delito com arma de fogo ou munições. Porque um local não preservado corretamente, a maneira como é manipulada a arma, a maneira como são manipuladas as munições, cartuchos, estojos que estão no local, tudo isso pode ter uma conseqüência favorável ou desfavorável para tudo o que vier depois, inclusive para a perícia de balística posterior. A Polícia Militar que é quem, na maioria dos estados faz o isolamento do local, o trabalho deles é essencial, fundamental. Porque, se o perito não tem a certeza que os vestígios que ele vai observar que ele vai analisar na hora que chega no local, não são exatamente produzidos durante o evento, isso coloca o perito na dúvida e coloca em dúvida o trabalho da própria perícia.
IGP - Qual a importância, para a perícia oficial do RGS, a criação do Instituto Geral de Perícias , há 18 anos?
DT – A importância é ter dado uma autonomia administrativa, financeira e técnica para a perícia e para os peritos. Nós, quando éramos vinculados à Polícia Civil, no momento em que solicitávamos algum equipamento, algum material, esse equipamento, esse material vinha, se sobrasse verba que a

Polícia Civil recebia do Governo do Estado, sobrando verba era comprado, não sobrando verba não era comprado. Isso para dar só uma idéia da dependência que nós tínhamos de outros órgãos. Hoje o IGP tem condições de fazer o seu orçamento, sua previsão orçamentária, tem condições de fazer sua previsão de equipamentos, sua previsão de pessoal. E isso é um passo enorme para a autonomia da perícia. E para dar a garantia da isenção, da segurança para o cidadão do trabalho do perito.
IGP – Como o senhor avalia o reconhecimento da qualidade da perícia oficial gaúcha por parte dos próprios colegas de outros estados brasileiros?
DT – Durante várias décadas eu posso dizer, o estado do RGS foi visto, e se manteve isso, como sendo um dos estados que possui peritos com grande conhecimento, com grande dedicação, grande capacidade de realização de perícias, e não só isso... esses peritos, e continua hoje isso, são convidados para ministrarem inclusive cursos em diversos estados, em diversas áreas. Isso significa que esse perito é reconhecido pelos demais estados como um dos melhores, ou pelo menos um perito conhecedor do assunto. Isso dá uma representatividade para o estado do RGS dentro do Brasil.
IGP – E a carreira do perito Domingos Tocchetto como escritor, como transmissor de conhecimento?

DT – Neste ano completa-se 20 anos do lançamento do livro inicial intitulado “Tratado de Perícias Criminalísticas”. Esse tratado hoje é composto por 22 livros já impressos e mais dois ou três, se tudo correr bem, ainda a serem lançados este ano ou no máximo o ano que vem. Isso traz para os peritos que ingressam na perícia, para o mundo jurídico um conhecimento de áreas diversas que há muitos anos nós não tínhamos e existem em poucos países no mundo, talvez, uma bibliografia tão vasta, tão ampla e de fácil acesso como nós temos aqui no Brasil. Esse trabalho nasceu há 20 anos com mais outros seis colegas, dos quais, infelizmente, dois já faleceram; estamos em cinco ainda vivos. Começamos o trabalho que, na segunda edição se transformou em sete livros, na terceira edição 10, e hoje estamos com 22.
IGP – Uma dica para um perito que esteja dando os primeiros passos na profissão.
DT – Dedique-se a uma determinada área, escolha a área que você mais gosta e dedique-se, tente se aprofundar o máximo possível, sem esquecer as demais áreas da Criminalística, mas vá fundo naquela área, tente ser o melhor do Brasil. Essa mesma pergunta respondi assim a um perito que estava iniciando na profissão. Hoje, reconhecidamente, ele é um dos melhores do Brasil.
MENSAGEM FINAL
O nosso esforço em tornar autônomo o Instituto Geral de Perícias na Constituição Estadual que me valeu uma punição de 45 dias sem vencimentos, por

ter feito a proposta original dessa autonomia, eu posso dizer que valeu a pena! Valeu a pena porque com anos todos, apesar de, no início, nós não termos recebido verba nem pra comprar papel para escrever os laudos, às vezes compravam o papel e nós comprávamos as canetas e os lápis. Mas tudo isso foi superado e, hoje, a sociedade pode confiar tranquilamente no trabalho da perícia
E vejo isso com satisfação porque não foi fácil. Os peritos que trabalharam na nossa época, que trabalharam com a gente sabem muito bem o que estou dizendo.
Não foi fácil, nós passamos por muitas dificuldades, por muitos contratempos, mas nós, juntamente com o Amapá fomos os pioneiros a colocar a autonomia da perícia na Constituição Estadual. Demorou para se consolidar isso, através da lei complementar na Constituição, mas esse aniversário do Instituto Geral de Perícias é um ganho, é uma vitória, não só dos peritos, mas da sociedade como um todo.
Reportagem e fotos - Norberto Peres - DG - Ascom IGP/RS em 08/07/2015